IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL
diálogos com PAULO FREIRE
IFRN Campus Natal Central - 30/08 a 01/09/2017 | Angicos/UFERSA - 02/09/2017: encontro com ex-alunas e alunos de Paulo Freire, de 1963
Políticas Públicas, Escola e Estratégias de Intervenção Social: Construção de Possibilidades
Natal/RN - 30/08 a 01/09/2017
EIXOS TEMÁTICOS
O IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIÁLOGOS COM PAULO FREIRE de 2017 organizará as mesas e as apresentações em Círculo de Cultura de acordo com os seguintes Eixos Temáticos:
1. Ensino Público no Brasil hoje, Mundo do Trabalho e Produção de Desigualdades
Reformas educacionais na conjuntura atual; avanço do neoliberalismo no mundo e no Brasil; políticas públicas de expansão da formação técnica até 2016 e as propostas vigentes; cerceamento da liberdade de aprender e ensinar; política como esfera de debate e formação do pensamento livre; escola sem partido.
“O poder da ideologia me faz pensar nessas manhãs orvalhadas de nevoeiro em que mal vemos o perfil dos ciprestes como sombras que parecem muito mais manchas das sombras mesmas. Sabemos que há algo metido na penumbra mas não o divisamos bem. A própria “miopia” que nos acomete dificulta a percepção mais clara, mais nítida da sombra. Mais séria ainda é a possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que vemos e ouvimos é o que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade de penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer que tem a ideologia faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim de século. Ou que os sonhos morreram e que o válido hoje é o “pragmatismo” pedagógico, é o treino técnico-científico do educando e não sua formação de que já não se fala. Formação que, incluindo a preparação técnico-científíca, vai mais além dela.
A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder. Fala-se, porém, em globalização da economia como um momento necessário da economia mundial a que por isso mesmo, não é possível escapar. Universaliza-se um dado do sistema capitalista e um instante da vida produtiva de certas economias capitalistas hegemônicas como se o Brasil, o México, a Argentina devessem participar da globalização da economia da mesma forma que os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão. Pega-se o trem no meio do caminho e não se discutem as condições anteriores e atuais das diferentes economias. Nivelam-se os patamares de deveres entre as distintas economias sem se considerarem as distâncias que separam os “direitos” dos fortes e o seu poder de usufruí-los e a fraqueza dos débeis para exercer os seus direitos. Se a globalização implica a superação de fronteiras, a abertura sem restrições ao livre comércio, acabe-se então quem não puder resistir. Não se indaga, por exemplo, se em momentos anteriores da produção capitalista nas sociedades que lideram a globalização hoje elas eram tão radicais na abertura que consideram agora uma condição indispensável ao livre comércio. Exigem, no momento, dos outros, o que não fizeram consigo mesmas. Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada a fazer mas seguir a ordem natural dos faros. Pois é como algo natural ou quase natural que a ideologia neoliberal se esforça por nos fazer entender a globalização e não como uma produção histórica.
O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente. O discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a reedição intensificada ao máximo, mesmo que modificada, da medonha malvadez com que o capitalismo aparece na História. O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca.
Espero, convencido de que chegará o tempo em que, passada a estupefação em face da queda do muro de Berlim, o mundo se refará e recusará a ditadura do mercado, fundada na perversidade de sua ética do lucro”. (Pedagogia da Autonomia)
2.Movimentos Sociais, Educação e Promoção da Justiça
Compromissos do governo; organização dos movimentos populares; processos cotidianos de transformação; estratégias de resistência; desafios e tendências dos movimentos sociais.
“A ideia mais comum sobre educar é aquela que envolve transmitir conhecimento. Se você conversa com uma pessoa na rua, provavelmente vem essa noção: “educação tem a ver com alguém que sabe e transmite a muitos que não sabem”. A noção generalizada de EDUCAÇÃO é aquela de “ensinar = transmitir” e “aprender = receber”. Essa noção, porém, vai sendo mudada pelo Movimento Popular. As pessoas aprendem a resolver dificuldades da vida e o Movimento Popular é o lugar de somar esforços. Mesmo as pessoas que pouco tempo tiveram de estudo são convidadas a somar esforços e resolver dificuldades. É por esses caminhos que o movimento popular vai inovando a educação. Ele vai resolvendo as dificuldades da vida. No bairro ou na favela. Esse movimento vai transformando o bairro, vai melhorando as condições e esse é o jeito de aprender. Nesse caminho, nasce a Educação Popular. Através da Educação Popular, as pessoas do bairro ou da favela aprendem a transformar suas dificuldades em melhor viver. Essa educação acontece ao mesmo tempo em que a cidade muda de cara e vira melhor viver. O Movimento Popular é a escola viva onde isso ocorre. Mesmo que as pessoas não se deem conta, elas estão na escola, elas aprendem que é possível enfrentar as dificuldades. (...) E a coisa não para aí. Há momentos em que é preciso entender a cidade e compreender “por que” as coisas chegaram a ser assim como estão. É preciso pessoas mergulhadas na transformação e enfrentamento, é preciso pessoas que leiam a história e a formação dos bairros, das cidades e de suas ciências”. (Que fazer. Teoria e prática em educação popular)
3.Trabalho docente e sociedade: desafios e disputas
Trabalho docente: neoliberalismo; identidade; precarização; superação das dicotomias; estratégias de resistência; liberdade intelectual; reinvenção da identidade.
“É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-bla-blantemente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente. É preciso ousar para continuar quando às vezes se pode deixar de fazê-la, com vantagens materiais.
[...]
A necessidade que temos de poder lutar cada vez mais eficazmente em defesa de nossos direitos, ele ser competentes e estar convencidos da importância social e política de nossa tarefa, reside no fato de que, por exemplo, a indigência de nossos salários não depende apenas das condições econômico-financeiras do Estado ou das empresas particulares. Tudo isso está muito ligado a uma certa compreensão colonial de administração, de como lidar com os gastos públicos, hierarquizar as despesas e priorizar os gastos.
[...]
O que quero saber primeiro é se as professoras são importantes ou não são. Se seus salários são ou não são insuficientes. Se sua tarefa é ou não é indispensável. E é em torno disso que deve insistir esta luta, difícil e prolongada, e que implica a impaciente paciência dos educadores e a sabedoria política de suas lideranças. É importante brigarmos contra as tradições coloniais que nos acompanham. É indispensável pelejarmos em defesa da relevância de nossa tarefa, relevância que deve aos poucos, mas tão rapidamente quanto possível, fazer parte do conhecimento geral da sociedade, do rol de seus conhecimentos óbvios.
[...]
Não se pode compreender a desproporção entre o que recebe um presidente de estatal, independentemente da importância de seu trabalho, e o que recebe uma professora de primeiro grau. Professora de cuja tarefa o presidente da estatal de hoje necessitou ontem.
É urgente que o magistério brasileiro seja tratado com dignidade para que possa a sociedade esperar dele que atue com eficácia e exigir tal atuação”. (Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar)
4.Práticas Educativas Escolares: para além da produtividade
Práticas educativas escolares no espaçotempo neoliberal; práticas educativas escolares e conhecimento crítico; práxis educativas escolares.
“Crianças e adultos se envolvem em processos educativos de alfabetização com palavras pertencentes à sua experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Palavras e temas.
Assim compreendida e posta em prática, a Educação Popular pode ser socialmente percebida como facilitadora da compreensão científica que grupos e movimentos podem e devem ter acerca de suas experiências. Esta é uma das tarefas fundamentais da educação popular de corte progressista, a de inserir os grupos populares no movimento de superação do saber de senso comum pelo conhecimento mais crítico, mais além do “penso que é”, em torno do mundo e de si no mundo e com ele. Este movimento de superação do senso comum implica uma diferente compreensão da História. Implica entendê-la e vivê-la, sobretudo vivê-la, como tempo de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determinista, fatalista da História. Nem o fatalismo que entende o futuro como a repetição quase inalterada do presente nem o fatalismo que percebe o futuro como algo pré-dado. Mas o tempo histórico sendo feito por nós e refazendo-nos enquanto fazedores dele. Daí que a educação popular, praticando-se num tempoespaço de possibilidade, por sujeitos conscientes ou virando conscientes disto, não possa prescindir do sonho.
É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da Utopia.
É possível vida sem sonho, mas não existência humana e História sem sonho.
A dimensão global da Educação Popular contribui ainda para que a compreensão geral do ser humano em torno de si como ser social seja menos monolítica e mais pluralista, seja menos unidirecionada e mais aberta à discussão democrática de pressuposições básicas da existência.
Esta vem sendo uma preocupação que me tem tomado todo, sempre – a de me entregar a uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica fundadas ambas no sonho por um mundo menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais humano”. (Educação de Adultos hoje. Algumas reflexões. In: Política e Educação)
5. Sociedade, Movimentos Sociais e Cultura
Cultura; herança; subjetividade; ideologias; movimentos rurais; movimentos urbanos; unidade na diversidade.
“Por isso é que é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente de nosso querer ou de nosso desejo. A Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de certa época. A Cidade é cultura, criação, não só pelo que fazemos nela e dela, pelo que criamos nela e com ela, mas também é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita, que lhe damos. A Cidade somos nós e nós somos a Cidade. Mas não podemos esquecer de que o que somos guarda algo que foi e que nos chega pela continuidade histórica de que não podemos escapar, mas sobre que podemos trabalhar, e pelas marcas culturais que herdamos.
[...]
No fundo, a tarefa educativa das Cidades se realiza também através do tratamento de sua memória e sua memória não apenas guarda, mas reproduz, estende, comunica-se às gerações que chegam. Seus museus, seus centros de cultura, de arte são a alma viva do ímpeto criador, dos sinais de aventura do espírito. Falam de épocas diferentes, de apogeu, de decadência, de crises, da força condicionante das condições materiais.
[...]
As Cidades educativas devem ensinar a seus filhos e aos filhos de outras Cidades que as visitam que não precisamos esconder a nossa condição de judeus, de árabes, de alemães, de suecos, de norte-americanos, de brasileiros, de africanos, de latino-americanos de origem hispânica, de indígenas não importa de onde, de negros, de louros, de homossexuais, de crentes, de ateus, de progressistas, de conservadores, para gozar de respeito e de atenção.
Não se faz nem se vive a substantividade democrática sem o pleno exercício deste direito que envolve a virtude da tolerância. Talvez as Cidades pudessem estimular as suas instituições pedagógicas, culturais, científicas, artísticas, religiosas, políticas, financeiras, de pesquisa para que, empenhando-se em campanhas com este objetivo, desafiassem as crianças, os adolescentes, os jovens a pensar e a discutir o direito de ser diferente sem que isto signifique correr o risco de ser discriminado, punido ou, pior ainda, banido da vida”. (Educação permanente e cidades educativas. In: Política e Educação)
6. Formação Docente Inicial e Continuada e Currículo
Internacionalização do currículo e as demandas neoliberalismo; políticas de avaliação nacional e internacional; agências de fomento e produtividade; importação de práticas educativas; sujeitos da educação e pluralidade sócio-cultural; formação político-pedagógica e emancipação docente.
“Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco, assumido ou não, quer dizer, risco de que o sujeito que o corre se acha mais ou menos consciente. Posso não saber agora que riscos corro, mas sei que, como presença no mundo, corro risco. É que o risco é um ingrediente necessário à mobilidade sem a qual não há cultura nem história. Daí a importância de uma educação que, em lugar de procurar negar o risco, estimule mulheres e homens a assumi-lo. É assumindo o risco, sua inevitabilidade, que me preparo ou me torno apto a assumir este risco que me desafia agora e a que devo responder. É fundamental que eu saiba não haver existência humana sem risco, de maior ou de menor perigo. Enquanto objetividade o risco implica a subjetividade de quem o corre. Neste sentido é que, primeiro, devo saber que a condição de existentes nos submete a riscos; segundo, devo lucidamente ir conhecendo e reconhecendo o risco que corro ou que posso vir a correr para poder conseguir um eficaz desempenho na minha relação com ele.
Sem me deixar cair na tentação de um racionalismo agressivo em que, mitificada, a razão “sabe” e “pode” tudo, insisto na importância fundamental da apreensão crítica da ou das razões de ser dos fatos em que nos envolvemos. Quanto melhor me “aproximo” do objeto que procuro conhecer, ao dele me “distanciar epistemologicamente”, tanto mais eficazmente funciono como sujeito cognoscente e melhor, por isso mesmo, me assumo como tal. O que quero dizer é que, como ser humano, não devo nem posso abdicar da possibilidade que veio sendo construída, social e historicamente, em nossa experiência existencial de, intervindo no mundo, inteligi-lo e, em consequência, comunicar o inteligido. A inteligência do mundo, tão apreendida quanto produzida e a comunicabilidade do inteligido são tarefas de sujeito, em cujo processo ele precisa e deve tornar-se cada vez mais crítico. Cada vez mais atento à rigorosidade metódica de sua curiosidade, na sua aproximação aos objetos. Rigorosidade metódica de sua curiosidade de que vai resultando maior exatidão de seus achados”. (Pedagogia da Indignação)
A divulgação dos trabalhos aceitos ocorrerá a partir do dia 30/06/2017, via e-mail.